A vida é um sopro, o tempo efêmero

Há dias que tento escrever... Cada um lida com sua dor de uma forma. A minha é evitar contato com ela e quando eu fizer que seja por breve tempo. Mesmo as boas lembranças trazem uma certa melancolia... Mesmo entendendo que a vida seguiu seu fluxo, dói... Mesmo tendo tempo para nos prepararmos, dói. É a saudade da forma dolorida...

A vida é um sopro, o tempo efêmero...

Quando era criança pequena lá em Silva Jardim parecia que o tempo não passava, eu, menina, ficava às vezes emburrada com isso. Queria logo ter a idade para fazer as coisas que queria...
Para mim, na época, deslumbre era vir pra cidade grande, sempre tentava ficar acordada na viagem para ver as luzes da ponte Rio-Niterói.

Férias de verão era sempre na casa dos meus avós que moravam no Rio. Vinha passar uns dias e a estadia sempre se estendia por conta da greve dos ônibus. Pois sempre tinha greve de ônibus em janeiro. Para mim, criança, era um misto de festa e aventura estar na casa dos meus avós. Era a época que eu e minha irmã ganhávamos os presentes de aniversário e natal. E, claro, os passeios das tias com a primalhada toda até a Praça Seans Peña para ia ao cinema. Ou a ir no Shopping Madureira. Ou passar a tarde desenhando e pintando. Ou ir no verdureiro com meu avô.

Uma das coisas que eu adorava era a comida da minha avó. Se comida de mãe é boa, a de vó é delícia. E o pastel?! Ah! O pastel! Massa caseira, crocante, recheio super saboroso.
Quando fiquei doente e não podia ficar comendo coisas com gordura, ela fez rabanada de forno pra mim, pois sabia que eu adorava rabanada.
Tudo tinha horário certinho. Isso me impressiona até hoje. café da manhã, lanche da manhã, almoço, café da tarde, janta e ceia. Eu, de férias, sempre acordava no lanche da manhã, já com o barulho da panela de pressão a cozinhar o feijão, a todo vapor.

O tempo é efêmero.

Minha avó cuidou de todos. Sempre sabia de um remédio, erva para dar um jeito no que fosse. Tinha ciúmes do meu avô, mesmo depois de tantos anos juntos. Não gostava muito da hidroginástica que ele fazia, dizia que tinha umas senhorinhas que sempre ficam abraçadas com meu avô nas fotos. Ela não gostava. Eu achava bonitinho.

Então ela adoeceu. Estava emagrecendo sem um motivo aparente. Fui vê-la antes de sair de férias. Estava magra, mas bem ativa. Dois meses depois estava de cama...

Tive a oportunidade de estar com ela em seu último dia neste plano...
Ao chegar no quarto e vê-la tão magrinha, me chamou a atenção a profundidade das "saboneteiras", e com um misto de nostalgia e tristeza, lembrei -me de quando era adolescente e chegava na casa dela, na época eu era bem magra, ela me abraçava e vinha logo cutucando as minhas "saboneteiras" e dizendo: "E essas saboneteiras, aí?!" Sempre se referindo ao fato de não conseguir engordar...
Meu avô foi vê-la no hospital. Pude observá-los. Se eles pudessem correr, teriam corrido um de encontro ao outro e se abraçado. Talvez seus corações o tenham feito. Eles se abraçaram e beijaram. Quando meu avô foi embora, ele de pé na porta, ela acenou para ele. Ele mandou um beijo para ela.

Passei o resto do dia com ela. Ficava em pé ao lado da cama, observando, verificando se precisava de algo. Com o passar das horas ela foi indo, cada vez mais distante daquele corpo. Fiquei um longo tempo de mãos dadas com ela. Até que

Pela manhã minha tia deu a notícia que ela estava nos braços do Pai, tinha virado estrelinha.

Ficam as lembranças, a saudade e a gratidão por ela ter estado conosco por tanto tempo.

Clara - 28/03/1931 - 09/11/2018



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